Os primeiros a pescar bacalhau foram os vikings, que, à falta de sal, deixavam o peixe secar ao ar livre nos barcos. Sal era coisa que, na Idade Média, os portugueses tinham e usavam como moeda de troca com os países nórdicos: importavam o bacalhau, exportavam o sal.
O rótulo “bacalhau da Noruega” remonta aqui. Os primeiros relatos a indicarem uma relação da pesca de bacalhau com o método da salga datam do século XIV e, durante as viagens das ditas descobertas portuguesas, no século XV, a necessidade de conservação do peixe durante longos períodos de tempo tornou-se imperiosa. Na viragem do século XV para o XVI, tornámo-nos pioneiros na armação de grandes barcos para a pesca e rumávamos aos mares da Terra Nova, hoje uma província do Canadá, e da Groenlândia, a bordo dos veleiros de três mastros chamados de lugres. Em 1506, havia já um imposto sobre o bacalhau que entrava nos portos situados entre o Douro e o Minho. A pesca por frotas portuguesas manteve-se irregular e foi mesmo interrompida durante a dinastia filipina.
No século XVII, o consumo de bacalhau salgado seco era generalizado, sobretudo através de intermediários ingleses em Lisboa e no Porto. Até ao século XX, consumia-se o chamado “bacalhau inglês”. Portugal só retoma a atividade de armar navios para a Terra Nova em 1835, através da Companhia de Pescarias Lisboetas.
O bacalhau não escapou à máquina de propaganda do Estado Novo, que transformou as duras lides da pesca numa epopéia romanceada, nessa contradição de nos projetar enquanto povo valente e destemido mas de nos exigir recato e pequeneza. Em 1937, ocorre a primeira greve e única dos bacalhoeiros em Portugal durante o salazarismo, a que se sucede um conjunto de medidas de enquadramento, proteção e incentivo aos pescadores do bacalhau.
As décadas de 1950 e 60 marcaram o auge da frota bacalhoeira portuguesa. Se em 1934 Portugal produzia 11% do bacalhau que comia, na década de 1960 esse número ascendia aos 70%. As frotas de lugres transportavam em pilha os dóris, as embarcações a remos de um homem lançadas ao mar para pescar o bacalhau à linha – arte dominante de pesca até 1974. Com uma duração de cerca de seis meses, de cada viagem regressavam sempre menos homens do que os que tinham partido. As condições de trabalho eram muito duras, como descreve Garrido no prefácio: “As viagens dos pescadores de dóris eram relativamente curtas, mas perigosas. Os pescadores-marinheiros afastavam-se do ‘navio-mãe’ centenas de metros, às vezes duas ou três milhas, e voltavam largas horas depois, quando carregados de bacalhau. O nevoeiro e os icebergs eram os principais obstáculos a vencer.” Já para não falar nos fatores vento e ondulação. “O primitivismo do trabalho a bordo dos pequenos dóris (a pesca com linhas e anzóis), a dureza das tarefas no convés (a escala) e os constrangimentos do porão (a salga de bordo) cederam ante a beleza do navio e a bravura dos seus homens. Castigados por jornadas de trabalho que desafiavam os limites da resistência humana, os rudes pescadores passaram a intrépidos navegantes.”
Numa entrevista dada em 2018 a Nuno Ramos de Almeida para o jornal i a propósito da reedição de “A Campanha do Argus” pela Cavalo de Ferro, Álvaro Garrido explicava que o objetivo do Estado Novo era, do ponto de vista econômico, “tornar barata a subsistência através de uma proteína de largo consumo que fosse um fator de bloqueio dos salários e de financiamento da paz social”. Em 1958, Portugal tornava-se o produtor n.º 1 de bacalhau salgado seco. “Há toda uma propaganda do êxito da campanha do bacalhau, dessa afirmação do mercado internacional, do qual Portugal era historicamente muito dependente.” A partir dos anos 1960, começam a surgir os problemas motivados pela mudança do direito do mar e pela crescente dificuldade em arranjar quem quisesse trabalhar naquelas condições. Álvaro Garrido associa a queda da pesca do bacalhau à queda do Estado Novo. Os últimos três grandes navios de pesca de bacalhau à linha vão pela última vez ao mar em 1974. Não há coincidências.
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